A Intervenção do Psicopedagogo do Ambiente Escolar
Da Antroposofia à Psicopedagogia Curativa: Resgatando Práticas de Aprendizagem Ancestrais
Conhecer o mundo vivido pelo psicopedagogo ao lidar com alunos com trajetória de insucesso escolar requer compreender as diferentes facetas do pensar, sentir, falar e agir dos sujeitos através de suas relações estabelecidas durante o processo terapêutico.
Para falar da relação psicopedagogo x aluno( aprendente) implica, inicialmente, relatar algumas considerações acerca das concepções de ensino-aprendizagem visto que tal processo de ensinar e de aprender não ocorre de forma isolada, ou seja, fora de um contexto sócio-histórico. Nestas circunstâncias, cabe refletir sobre como se dá a prática psicopedagógica, ou seja, como se dá a actuação do psicopedagogo segundo a abordagem construtivista na qual o aprendente é considerado como sujeito ativo de sua própria aprendizagem.
Nesse sentido, convém destacar que a relação – psicopedagogo, aluno e conhecimento – se dá através da interacção desses três elementos no processo de reeducação psicopedagógica, sem esquecer sua história de vida e seu meio socio-cultural. Para que esta relação seja fecunda é essencial a presença das seguintes características, como por exemplo: diálogo, participação, colaboração, respeito mútuo e, principalmente, afectividade. Com base nessa afirmação, concordamos com seguinte argumento em que “o aprender a viver juntos representa, hoje em dia, um dos maiores desafios da educação” (KULLOK, 2002, p.18).
Desse modo, fica evidente que as relações interpessoais representam os ingredientes essenciais para uma convivência harmoniosa e saudável, pois o aprender na escola envolve vários factores, dentre eles os aspectos afectivos que influenciam tanto no desempenho escolar, como na personalidade do sujeito que aprende. Dessa forma, é imprescindível que o psicopedagogo possa compreender todo o corpo da estrutura organizacional da escola, sem esquecer o meio em que vive o aprendente e sua fase de desenvolvimento.
Para conduzir seu trabalho, o psicopedagogo deve posicionar-se como um articulador/mediador na condução do processo de ensino-aprendizagem do aluno, tendo a consciência de seu fazer psicopedagógico que deverá ser embasado em conhecimentos próprios de sua área, não deixando de lado outras ciências que são interligados com a Psicopedagogia. Com base nessa reflexão, esse profissional terá que agir com base em uma acção pautada em questionamentos, dúvidas e, acima de tudo, na reflexão centrada no processo de ensino-aprendizagem do aluno e tentando adaptar o ambiente escolar e familiar do aprendente partindo das seguintes indagações: o fracasso é da escola, do aluno (aprendente), do professor (ensinante), da família ou sistema educacional? A escola promove em suas relações a pedagogia do oprimido ou da pedagogia da autonomia, ou seja, a escola cultiva em sala de aula a metodologia do fracasso ou do sucesso?
Para responder a essas indagações, cabe lembrar que a escola é uma instituição provida de regras, normas, valores e função social, o psicopedagogo deverá se consciencializar de sua identidade profissional e delimitar até onde vai a sua actuação e a de outro profissional, realizando o devido encaminhamento quando se for necessário.
Sendo assim, cabe a seguinte reflexão de que forma o insucesso escolar deve ser visto pelos professores, a escola, pela família e, em especial, o psicopedagogo como obstáculo a ser superado, pois, se o aluno fracassar nos estudos estará implicando que todos, também, fracassaram na atribuição de educá-lo. Nesse sentido, todos devem agir de forma consciente lembrando-se que é responsabilidade de todos darem estímulos e motivação para que o aluno possa manifestar seu desejo de aprender ao longo de sua trajectória escolar.
Ao pensar dessa forma, o aluno vai gradualmente cultivando sua auto-estima ao querer conduzir sua própria aprendizagem. De acordo com essa discussão, Funayama (2000, p. 81) aponta que o aluno deve durante seu processo de aprendizagem ter os seguintes aspectos: “desempenho, a motivação e a persistência frente às tarefas escolares que, por sua vez são influenciados pelas percepções e julgamentos dos estudantes sobre as suas próprias capacidades”.
A esse respeito, é importante esclarecer que:
Toda criança pode aprender a ler e a escrever, mas não em qualquer situação. Mas está claro, também que não é em qualquer situação para todas as crianças. As condições para que ocorra aprendizagem vão variar de acordo com seu período de formação, pois todo processo de aprendizagem deve estar articulado com a história de cada indivíduo. ( LIMA, 2002, p. 15).
Para que a aprendizagem seja consolidada é necessário que psicopedagogo possa identificar as dificuldades e, acima de tudo, demonstrar que acredita em seu potencial e, acima de tudo, tentar minimizar as barreiras e promover a facilitação da aprendizagem do aluno através de seu próprio desejo e sua autonomia para continuar aprendendo. Portanto, diante dessa afirmação, partimos do pressuposto que o psicopedagogo
Além de uma actuação investigativa, o psicopedagogo deve cultivar, primordialmente, uma prática crítico-reflexiva. Para que esse profissional possa usufruir dessa abordagem adequadamente é imprescindível que o mesmo procure desenvolver sua capacidade de atenção e percepção através de uma observação sistemática sobre os fenómenos que o rodeiam, ou melhor, como uma maneira em que possa enxergar e analisar a realidade vivida pelo aprendente, lembrando-se que a construção do conhecimento não é um acontecimento que se manifesta de forma isolada, mas sim como produto resultante de inúmeros factores.
Sendo assim, cabe lembrar que:
A especificidade do tratamento psicopedagógico consiste no fato de que existe um objectivo a ser alcançado: a eliminação do sintoma(...). Assim, a relação do psicopedagogo-paciente é mediada por actividades bem definidas, cujo objectivo é solucionar rapidamente os efeitos mais nocivos do sintoma para logo depois dedicar-se a afincar os recursos cognitivos( PAIN apud PORTO, 2007, p.78).
Como podemos perceber, o papel do psicopedagogo demanda uma actuação de extrema importância não somente dentro da escola como no consultório clínico, na medida em que ajuda a minimizar o sofrimento de alunos que já fracassaram na escola, através de estratégias e técnicas aprendidas ao longo de sua formação que o possibilitam actuar neste espaço de forma re-educativa.
Como psicopedagogo é imprescindível compreender todo o corpo de uma estrutura escolar posicionando-se como um articulador na condução do processo de ensino-aprendizagem, pois o mesmo irá por em acção vários questionamentos e reflexões sobre como adaptar um novo ambiente escolar voltado para transformação, ou seja, com o objectivo de tornar o espaço e o quotidiano escolar propício para conduzir o aprendente através da aprendizagem significativa, na qual o desejo do aluno em continuar aprender é o principal alicerce para superação do fracasso escolar.
Para que isso ocorra, é necessário partir da seguinte indagação: o fracasso é da escola, do aluno (aprendente), do professor (ensinante), da família ou do sistema educacional? A escola promove em suas relações a pedagogia do amor e da inclusão, ou seja, a escola cultiva em sala de aula, a metodologia do fracasso ou do sucesso? Para responder a essas investigações, cabe lembrar que o psicopedagogo ao actuar, conforme seu objecto de estudo, pode desempenhar sua função e espaço epistemológico nas seguintes modalidades – clínica, preventiva ou teórica, uma articulando-se às outras por conta da natureza da sua própria práxis que se dá seguinte forma:
O trabalho clínico não deixa de ser preventivo, uma vez que ao tratar de alguns transtornos de aprendizagem, pode evitar o aparecimento de outros. O trabalho preventivo numa abordagem psicopedagógica, é sempre clínico, levando em conta a singularidade de cada processo. Essas duas formas de actuação, por sua vez, não deixam de resultar num trabalho teórico. Tanto na prática preventiva como na clínica, o profissional procede sempre embasado no referencial teórico adotado ( BOSSA, 1991, p. 22).
Para elucidar a modalidade de actuação do psicopedagogo e suas várias atribuições, vale destacar que no trabalho psicopedagógico na área preventiva é baseada na orientação do processo ensino-aprendizagem, com o objectivo de favorecer a apropriação do conhecimento no ser humano ao longo da sua evolução. Para Maluf (2007, p. 72), o psicopedagogo é um profissional indispensável em uma equipe multidisciplinar principalmente quando se trata de trabalhar com crianças com dificuldades e transtornos de aprendizagem. Para realizar um planejamento de contextos educacionais que vise à promoção da aprendizagem significativa para receber e trabalhar esses alunos, o psicopedagogo deve:
Com base nessas competências, percebe-se que o trabalho do psicopedagogo se configura na prática como uma intervenção apoiada nos princípios de transdisciplinariedade, por conta de sua própria natureza epistemológica.
Vale ressaltar que tanto na clínica quanto na instituição, o psicopedagogo atua como mediador entre o sujeito e sua história de vida. Nesse sentido, o profissional deve tomar ciência do problema de aprendizagem e interpretá-los para a devida intervenção. Agindo dessa forma, o psicopedagogo “auxiliará o sujeito a reelaborar sua história de vida, reconstruindo fatos que estão fragmentados, e a retomar o percurso normal de sua aprendizagem ( PORTO, 2007, p.91)”.
Vale salientar que a actuação do psicopedagogo, por ser inter e transdisciplinar, muitas vezes acaba tendo uma conotação muito complicada devido à queixa do aluno, geralmente apontada pela família ou pela equipe escolar, quando tem um histórico de insucesso escolar. Ao buscar desvendar as possíveis perturbações no processo de ensino-aprendizagem, o trabalho reeducativo acaba constituindo-se como um grande desafio para o psicopedagogo por conta da seguinte circunstância:
Não podendo suportar as pressões (internas ou externas), o psicopedagogo opta por uma abordagem mais emergente, introduzindo o conteúdo escolar actual como tarefa nas sessões, ou seja, buscando eliminar de pronto o sintoma (...)a pressão é externa, no caso a família e a escola levam o profissional, ainda inseguro em seu papel, a desviar-se de seus propósitos e criar dependência do sujeito em relação ao treinamento, ao invés de conduzir o sujeito a situação de autonomia em relação ao tratamento e diante do processo de aprendizagem. Referimo-nos as pressões internas e externas, já que, muitas vezes, em virtude das características de personalidade do profissional, este não pode suportar o não-reconhecimento e, por causa da ansiedade, tenta apressar o processo, pois, assim como a criança, a sua auto-valorização depende de um referencial externo, chegando a reproduzir a situação de frustração que a criança vive na escola. Nestas circunstâncias, o profissional atende às pressões internas ( PORTO, 2007, p. 91).
Ao buscar desvendar as possíveis perturbações no processo de ensino-aprendizagem, o psicopedagogo devido a sua atribuição profissional em eliminar ou amenizar os obstáculos do sintoma da não-aprendizagem acaba trilhando um caminho tortuoso. Isso se justifica por conta das expectativas colocadas em seu desempenho profissional que se reflecte no rendimento escolar do aluno, em processo de tratamento terapêutico, que aliada a uma situação de emergência das pressões exercidas por todos que esperaram que o profissional possa trazer em sua prática uma porção mágica” ou que sabe até mesmo “um possível milagre”.
Com base nessa proposição afirmativa, podemos inferir que todos os envolvidos com aluno acabam fantasiando uma realidade imediatista quanto ao tratamento terapêutico acarretando, portanto, em uma visão equivocado do trabalho psicopedagógico, pois o mesmo não é visto como um processo investigativo e em constante construção e sim como um produto resultante que se concretizará em um passe de mágica ao resgatar o desejo do aluno em aprender.
De encontro às colocações acima mencionadas, é importante destacar que actualmente já existe estudo sobre insucesso escolar numa perspectiva de mudança capaz de conduzir o aprendente ao caminho do sucesso escolar denominada EAM – Experiência de Aprendizagem Mediada sendo considerada, portanto, como uma excelente estratégia direccionada à facilitação da aprendizagem que traz em sua abordagem a mediação entre ensinantes (professores) e aprendentes (alunos).
Para esclarecer essa experiência, Beauclair (2008, p. 23) destaca a Teoria da Modificabilidade Cognitiva de Reuven Feuerstein baseada nos seguintes princípios:
S – Satisfação de quem aprende;
U – União pelo vínculo estabelecido entre aprendentes e ensinantes;
C – Compromisso que é gerado pelo reconhecimento da necessidade do aprender;
E – Emoção que dá significado e transcende o aprender para a vida;
S – Sorriso como efeito ocasionado pela alegria e o prazer de aprender;
S – Sentimento que nasce do envolvimento pelo desejo do saber;O – Organização que ordena a interiorização do conhecimento e comportamento novo apreendido, que associa, amplia, modifica ou substitui o existente.
Vale salientar que a Teoria da Modificabilidade Cognitiva é pautada na interação social e na plasticidade cerebral tendo como mola propulsora o desejo de aprender na escola considerando que não há aprendizagem significativa sem a emoção de aprender de juntos (professor e alunos). De acordo com Feuerstein, todos podem ampliar nossos potenciais de inteligência desde que mediados, independente de sua idade, contexto, origem ou configuração psicológica ou social, justamente porque:
Quando aprendemos, aumentamos e modificamos nossas estruturas cognitivas e, com isso, as possibilidades se ampliam, nossa exposição aos estímulos e a experiências quotidianas produz melhores resultados, vamos nos tornando pessoas capazes de organizar e a usar as informações obtidas. Aprender é saber desenvolver nossos potenciais para a mudança. Aprender é saber promover transferências de aprendizagens anteriores para situações novas, expandindo nossos sentimentos de competência ( BEAUCLAIR, 2008, p. 36).
Visando um ambiente mais acolhedor, cabe ao psicopedagogo junto à equipe escolar actuar de forma coesa e nunca isoladamente ou fragmentada. Sendo assim é necessário, portanto, que se cultive na escola um espaço para que os conhecimentos sejam integrados a novas ideias podendo assim conhecer de fato o olhar de cada um dos envolvidos. Conhecendo as dificuldades pessoais e institucionais, é possível propor uma acção psicopedagógica mais sistemática, contínua, reflexiva e acolhedora sobre o processo de ensino-aprendizagem da escola.
REFERÊNCIAS
BEAUCLAIR, João. Do fracasso ao sucesso escolar na aprendizagem: proposições psicopedagógicas. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2008.
BOSSA, Nádia Aparecida. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artmed, 1991.
FUNAYAMA, C. A. R. (org.) Problemas de aprendizagem: Enfoque multidisciplinar. Campinas, SP: Alínea, 2000.
KULLOK, M.G.B. (org). Relação professor-aluno: contribuições à prática pedagógica. Maceió: EDUFAL, 2002.
LIMA, Elvira Souza. Desenvolvimento e aprendizagem na Escola: aspectos culturais, neurológicos e psicológicos. São Paulo: Sobradinho, 2002.
MALUF, Maria Irene. Diagnóstico e intervenção psicopedagógica nos transtornos de aprendizagem. In: VALLE, L. E. L. R. do ; PINTO, O. (Org.). Mente e corpo: integração multidisciplinar em Neuropsicologia. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2007.
PORTO, O. Bases da Psicopedagogia: diagnóstico e intervenção nos problemas de aprendizagem. São Paulo: Wak, 2007.